A conscientização sobre a importância do estilo de vida saudável continua sendo a maior barreira no combate ao colesterol, um dos principais fatores de risco que levam ao óbito por doenças cardiovasculares, a primeira causa de mortalidade no país. Em pleno Dia Nacional de Combate ao Colesterol, data promovida pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), especialistas afirmam que o brasileiro ainda não valoriza o diagnóstico precoce para aumento de lipídios no sangue.
Levantamento realizado pelo Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), com apoio da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, buscou identificar características dos principais fatores de risco para doenças crônicas, entre eles o colesterol. Dados parciais da pesquisa apresentados ao Correio afirmam que 35% das 2,6 mil pessoas entrevistadas e examinadas — com mais de 18 anos — estavam com taxa de colesterol total acima do ideal e 46% com HDL (o colesterol bom, cujos níveis devem ficar acima do LDL, o ruim) abaixo do ideal.
Cardiologistas, endocrinologistas e nutricionistas buscam esclarecer processos da interferência das taxas de colesterol na saúde humana e advertem sobre os perigos das disfunções. Estas podem evoluir rapidamente em casos de origem genética e não são restritas às pessoas com doenças crônicas ou obesidade. “A alta taxa de colesterol não causa sintomas aparentes. Dessa forma, muitas pessoas não dão importância ao exame e, mesmo ao identificar taxa elevada, não procuram um médico nem buscam melhorar seus hábitos”, explica o cardiologista Raul Dias dos Santos, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Dados da SBC confirmam que cerca de 20% da população está com taxa de colesterol acima do ideal. Esse valor chega a um terço entre indivíduos com mais de 45 anos. O médico explica que a falta de hábitos saudáveis é uma das principais causas de aumento de colesterol. “Na maioria dos casos não há a necessidade de medicação. Se todos os pacientes primeiramente mudassem sua dieta e praticassem exercícios físicos regulares, teriam melhora de até 15% do quadro em curto prazo”, explica o médico.
Um exemplo dado por Santos ilustra bem essa realidade. A Finlândia registrava a maior taxa de mortalidade por doença coronária no mundo até o fim dos anos 1970. Nos últimos 25 anos, o governo mobilizou a população com campanhas contra o fumo, pró-atividades físicas, a favor de alimentação saudável e de controle do colesterol. O resultado foi uma redução de 60% de mortes por doenças cardiovasculares.
Mecanismo
O colesterol é um tipo de gordura, ou lipídio, produzida principalmente pelo fígado (veja arte). Composto pelo LDL-colesterol (lipoproteína de baixa densidade, da sigla em inglês, também conhecido como colesterol ruim), e pelo HDL-colesterol (lipoproteína de alta densidade, ou bom colesterol), cerca de 70% do colesterol que temos no corpo é produzido pelo órgão. O restante é liberado no organismo a partir do consumo de alimentos de origem animal.
Para ser considerado em níveis normais, o LDL-colesterol não pode ultrapassar 160 miligramas por decilitro de sangue (mg/dl). Pessoas que sofrem de outros fatores de risco para doenças crônicas, como hipertensão, obesidade e tabagismo, devem manter essa taxa em 130 mg/dl, e os diabéticos, em 100 mg/dl. Quando esses valores estão acima do recomendado ocorre a dislipidemia, disfunção caracterizada pela elevação dos lipídios no sangue. O LDL-colesterol em excesso forma placas de gordura que obstruem as artérias, podendo chegar ao bloqueio total.
A aterosclerose, o infarte do miocárdio e o acidente vascular cerebral (AVC) são algumas das principais doenças causadas pela obstrução arterial. Quando a concentração é muito elevada (acima de 750 mg/dl), pode ocorrer o aparecimento de xantelasmas, pequenas bolsas amareladas ligeiramente salientes, situadas nas pálpebras e constituídas por depósitos de colesterol, aumento do tamanho do fígado e do baço (hepatomegalia e espenomegalia, respectivamente) e desenvolvimento de pancreatite.
Valquíria Martins dos Santos, 35 anos, vive essa realidade. Há sete anos a família da empresária descobriu uma doença genética chamada dislipidemia familiar, que eleva o colesterol no sangue a taxas muito altas. A mãe e três irmãos de Valquíria fazem acompanhamento clínico constante e dieta especial, além de tomarem medicação própria, à base de estatinas (lipoproteínas usadas para tratar os altos níveis do colesterol ruim). “Sempre soubemos que nossa família sofria de problemas com alimentação. Eu e minha mãe já diagnosticamos deficiências no pâncreas, o que sempre causou dores fortes. Em 2007 retirei um coágulo no pâncreas que evoluiu rápido devido ao alto nível de colesterol e triglicerídeos”, conta.
Valquíria toma medicação para controle do colesterol há mais de cinco anos. Mensalmente, são mais de R$ 600 em remédios. A irmã, Érica, foi a última na família a diagnosticar a doença, ao fazer tratamento endocrinológico para perda de peso estética, em 2008. “Nós duas conseguimos reduzir colesterol mudando a alimentação e fazendo exercícios físicos diários. Meu colesterol já chegou a 900 mg/dl em épocas de crise. Em meu último exame já estava 415”, diz Valquíria.
Segundo Valquíria, a falta de cuidados médicos foi a principal causa da morte do irmão, Jaime Alessandro dos Santos, em fevereiro deste ano, aos 30 anos. “Meu irmão sofria da mesma doença e não se cuidou. Tomava remédio para a dor de estômago que sentia e voltava à vida normal. Essa rotina o levou a uma pancreatite necro-hemorrágica e logo em seguida, ao óbito, 15 dias após a internação”, lembra. Ela acredita que a falta de preocupação do irmão com a saúde não é um caso isolado. “Muita gente só se preocupa com a saúde quando algo grave acontece”, acrescenta.
Risco de infarto na menopausa
Mulheres na menopausa devem ter cuidado redobrado com o tratamento para controle de colesterol. Dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) mostram que a interrupção no uso da medicação tornou-se uma das causas do aumento de infartos entre mulheres, que representam 40% dos pacientes atendidos pelo SUS com problemas coronários.
Segundo a SBC, nos Estados Unidos, cerca de 35% das mulheres que atingiram a menopausa já apresentam doença cardiovascular e no Brasil a mortalidade por doenças cardíacas sobe conforme a idade da mulher. Entre 70 e 79 anos, a mulher brasileira tem risco 10 vezes maior de morrer do coração do que uma mulher de 50 anos. “A mulher não se preocupa muito com infarto porque o encara como problema masculino. No entanto, após a menopausa, ela deixa de ter a proteção hormonal garantida pelo estrógeno, e passa a ter o mesmo risco de infartar, de ter angina ou AVC”, explica Daniel Branco de Araújo, diretor do Departamento de Aterosclerose da SBC.
Segundo o médico, mulheres na menopausa precisam manter a taxa de colesterol total abaixo de 200, além de se alimentar corretamente e praticar exercícios frequentemente. “Isso vai evitar que grande parte dessas mulheres sofra algum acidente cardiovascular sem necessidade de medicação.”
No jovem
A professora e nutricionista Marina Ito, do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), lembra que o colesterol alto nunca se manifesta sozinho, o que é um risco para quem não procura um diagnóstico antecipado, por exemplo, gente jovem. “É errada a impressão de que o jovem tem menos problemas relacionados ao colesterol. O que ocorre é que os problemas se acumulam. Trata-se de uma questão de tempo, e quanto menos a pessoa se cuidar, mais chances terá de ter alguma doença na vida adulta relacionada aos níveis de colesterol”, explica a especialista.
Enquanto o LDL se fixa às paredes das artérias causando obstruções, o HDL promove a ação contrária. Quando circulam na corrente sanguínea, as moléculas de HDL captam parte do colesterol que está em excesso no sangue e o transportam até o fígado. No fígado, ele é transformado em bile.
“O ideal é que todos apresentem valores maiores de HDL no sangue, a fim de minimizar os efeitos do LDL”, explica o endocrinologista Marcelo Canto. A SBC recomenda que o bom colesterol esteja acima de 35mg/dl de sangue. Alimentos ricos em gordura monoinsaturada, pectina e licopeno auxiliam a liberar HDL e reduzir o colesterol ruim.
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